Evitarei o certo pois ele está sempre errado
Pouco me importam as cobranças
Se nunca houver mudanças1
Crescendo na periferia e tendo estudado toda a vida em escola pública, eu não tinha nenhuma referência do que era ser um artista. Na verdade eu mal sabia o que era arte, para mim eram as pinturas que via nos livros de história, retratos de reis, as cenas bÃblicas. Eu só conhecia a classe trabalhadora. As pessoas bem sucedidas eram os donos dos comércios locais, da farmácia, da padaria, do bar. Até as vésperas do ENEM, eu não tinha ideia do que faria da vida.
Passei a me interessar por arte meio que por acaso. Eu sempre fui muito ligado à imagens. Tive a sorte de crescer numa casa com livros e revistas; não porque meus pais fossem intelectuais, pelo contrário, meu pai sempre foi proletário e minha mãe na peleja diária de cuidar da casa e de duas crianças. Mas ela gostava de ler e ouvir música, já ele de tocar violão e assistir filmes, ou seja, era uma casa onde a cultura estava presente. As revistas chegavam através de um tio que trabalhava na distribuição delas e de jornais para as bancas e sempre levava para casa aquelas danificadas, sem valor comercial.
Desenho desde criança influenciado por gibis. Recorto imagens de revistas e gibis desde criança também. Durante a adolescência eu decidi ser cartunista, influenciado pela editora Circo, pelo Angeli e Laerte. Desisti dessa carreira porque eu não tinha referência de um cartunista goiano que vivia disso, para mim tudo ocorria em São Paulo. Depois de uma série de motivos, decidi estudar Design Gráfico. Eu gostava de diagramar zines, eu gostava de fazer cartazes, eu gostava de desenhar.
Ainda hoje meu desenho é limitado. Por pura preguiça e falta de interesse, nunca quis aprender desenho realista. Estudar luz e sombra, anatomia e afins… No cartoon o desenho pode ser feio. Um dia numa livraria, me deparei com um livro sobre os expressionistas alemães, a tal arte moderna, e daà meu mundo se abriu. Se esses caras são artistas, eu também posso ser. Comprei materiais de arte e pintei minhas primeiras telas. Mas viver disso era uma realidade muito distante. Mesmo empolgado, eu segui com o plano de ser designer. Eu teria um emprego e pintaria nas horas vagas.
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Durante a graduação eu conheci o stencil, o graffiti, o lambe-lambe e demais vertentes da arte urbana. A coisa me pegou de um jeito que a ideia de ser designer foi ficando cada vez mais distante. A internet me mostrou referências de artistas, inclusive aqueles vindos de uma realidade parecida ou pior que a minha. Também vi que para ser bom (em qualquer coisa) você precisa se dedicar ao que faz e quanto mais tempo, melhor. Colei grau sabendo que não atuaria como designer, pelo menos não em um estúdio, talvez como autônomo.
Quando saà da faculdade, eu já tinha uma produção na rua e em ateliê (neste momento o ateliê era dividido com a máquina de lavar roupa e os arames). Eu tinha um parceiro de rolês, o El Mendez, e quase todo fim de semana a gente saÃa para pintar na rua. Quando não dava, eu pintava papeis ou qualquer outro material em casa. Eu queria era fazer, ver a magia do desenho aparecendo por baixo da máscara de stencil. A rotina era pintar, tirar foto com uma câmera digital qualquer, postar nas redes sociais e mostrar para os profissionais da arte ou grafiteiros de Goiânia, o tal networking.
Na época eu não entendia que, o que eu estava fazendo e chamando de arte, ou de graffiti — eu usava essas nomenclaturas conforme a conveniência — era uma afronta para certos senhores. Recebi uma porção de crÃticas, e ouvi muita gente falando que meu trabalho não era arte, e também não era graffiti. Era ilustração, os mais maldosos chamavam de design de exterior, os mais reaças me chamavam de pixador2, os grafiteiros me chamavam de artista. Eu era inocente e tentava argumentar que ilustração, pixação e design eram outras coisas. Na verdade eu não entendia que esse pessoal só me queria longe deles. As vezes demoro um pouco para processar as coisas.
Para algumas pessoas, se você não passa por uma faculdade de artes você não é artista. É quase se eu estivesse exercendo ilegalmente a profissão. Tipo dentista fazendo cirurgia plástica. O contrário acontece quando se está lidando com alguns grafiteiros. Se você passou por uma faculdade você não é rua o suficiente. É artista, boy, etc. Tipo metaleiro te chamando de poser por não saber listar 5 músicas aleatórias da banda. Talvez por não prestar atenção à estas conversas, elas não me afetaram negativamente, seguia fazendo minhas coisas. Não queria seguir pelo Design, estava tentando fugir do subemprego.
Eu e Mendez éramos os únicos que faziam stencil em Goiânia. A qualidade ainda tinha muito o que melhorar, mas já era bom o suficiente para chamar atenção. Nossas referências eram diversas e a gente misturava tudo. Não cabia em uma ou outra caixa, assim como até hoje não cabe. Por muito tempo parecia que estávamos sozinhos no rolê. Mas nesta caminhada encontramos muitos desajustados que também não cabem em caixas. Gente aparentemente contraditória. Gente que não se importa muito com regras e convenções.
Felizmente aqueles que nos deslegitimaram eram a exceção. Havia, e há, mais gente incentivando do que o contrário. Em 2010 nós já havÃamos pintado para algumas empresas, ministrado oficinas e etc. A coisa caminhou ao ponto de sermos convidados a expor em uma galeria local. Sem saber como fazer, sem ter peças prontas e sem dinheiro, nós topamos o convite. Na vernissage levamos muita gente, botamos dois shows de rap, vendemos algumas obras, conhecemos mais pessoas, saÃmos na capa do maior jornal da capital. Se parte da cena de arte contemporânea e do graffiti não nos queria por perto, tatuadores, arquitetos, punks, designers e toda uma fauna urbana enxergaram valor no que estávamos fazendo.
A partir de então não tive dúvida que cortar é meu ofÃcio.
Memorando
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de 14 a 18 de maio estarei na FARGO - Feira de Artes de Goiás.
dias 17 e 18 de maio estarei na Feira E-Cêntrica em Goiânia.
dias 7 e 8 de junho estarei na feira Motim em BrasÃlia.
Várias vezes por semana eu posto coisas no Instagram. Me segue lá se ainda não o faz.
Pixação com X corresponde à forma como os pixadores se referem aos nomes e assinaturas (pixos ou tags) que têm tipografias e formas próprias da cultura. A palavra visa diferenciar do Pichação com CH que se refere ao ato de colocar piche.